O cão atual

Noção de raça, de variedade e de padrão

Foi em 1984 que, com base numa proposta do professor R.Triquet, uma definição zootécnica da noção de grupo, de raça e variedade caninas, foi definitivamente aprovada pela Federação Cinológica Internacional.




Desde a Antiguidade romana, os cães eram classificados em função de suas aptidões. Distinguiam-se, então, os “cães pastores”, “cães de caça” e “cães do lar”. Aristóteles recenseava sete raças de cães, não levando em conta os “Galgos” que já existiam no Egito há muito tempo. No século XVIII, Buffon tenta uma classificação dos cães segundo a forma de suas orelhas: ele os dividia em trinta raças de orelhas retas, caídas e semi caídas, enquanto que Cuvier propunha dividir espécie canina em “mastins” “dogues” ou “spaniels” em função da forma de crânio dos indivíduos. Em 1885, a criação do Livro das origens em francês permitiu dividir a espécie canina em 29 seções distintas, reunidas em onze grupos no início do século XX, depois repartidas, em 1950, entre os dez grupos comuns atualmente.

Espécie e raça

A raça é, segundo o Prof. R. Triquet, como um conjunto de indivíduos apresentando características comuns que os distinguem dos outros representantes de sua espécie e que são geneticamente transmissíveis. Segundo ele, “a espécie provém da natureza ao passo que a raça provém da cultura do quadro da cinofilia”. Com efeito, a conduta da seleção dos acasalamentos de reprodutores pela intervenção humana pode levar ao surgimento de uma nova raça, mas não permite, em nenhum caso, a criação de uma nova espécie.

Assim, a raça dos “Jack Russel Terriers” provém do cruzamento entre diferentes terriers levado a efeito pelo reverendo do mesmo nome a fim de melhorar suas aptidões para a caça. Inversamente, certos cães como os “Pastores de Languedoc” nunca puderam atingir o status de raça reconhecida. Outras, como o Chambray, o Lévesque ou ainda o Normando-Poitevin se apagaram progressivamente por causa de seu pequeno número ou da falta de interesse que suscitaram e foram definitivamente suprimidas pela FCI. Hoje em dia, raças como o Braco belga ou o Bouvier das Ardenas estão em via de suspensão, enquanto que o Spaniel de Saint-Usuge ou o Bulldog Americano estão se candidatando a um reconhecimento oficial. Assim, nestes últimos 50 anos, o número de raças reconhecidas
pela FCI praticamente triplicou, respondendo às exigências cada vez maiores ou, algumas vezes, simplesmente à procura de originalidade!

Grupo, raça e variedade

O grupo é definido como “um conjunto de raças tendo em comum um certo número de características instintivas transmissíveis”. Assim, por exemplo, os indivíduos pertencentes ao primeiro grupo (cães pastores), apesar de suas diferenças morfológicas, apresentam todo o instinto original de guardiões de rebanhos. A variedade em si é, segundo uma definição do cinólogo Raymond Triquet, como “uma subdivisão no interior de uma raça em que todos os indivíduos possuem a mais uma característica comum transmissível que os distingue dos outros indivíduos de sua raça”.

Assim, o pastor alemão de pelo longo representa uma variedade da raça “Pastor Alemão”, se bem que  seja possível não achar nenhum pelo curto na sua descendência (caráter “pelo longo” transmissível de forma recessiva). Igualmente, inúmeras raças admitem muitas variedades de cores ou de texturas de pelagem, ainda podendo ser vistos vários portes de orelha no seu padrão. Por exemplo, a raça Teckel admite três variedades : de pelo curto, de pelo duro ou de pelo longo.

Certas raças são desviadas das suas vocações. Assim por exemplo, poucos Yorkshire Terriers são atualmente utilizados para a caça de animais de toca e a maior parte dessa raça está agora reservada para a utilização de companhia. Igualmente, os Labradores Retrievers que eram, inicialmente, destinados a caçar em associação com os cães de aponte, não são mais selecionados com freqüência devido às suas aptidões  para o trabalho

Cada raça tem seu padrão

O padrão é definido como “o conjunto de características próprias de uma raça”. Ele serve de referência, no exame de confirmação (próprio da cinologia francesa), para julgar a conformidade de um cão quanto às características morfológicas e comportamentais de sua raça. Cada raça possui um padrão, estabelecido pela associação de raças de seu país de origem, que é a única habilitada para modificar o seu conteúdo. Assim, o padrão estabelecido pelo berço da raça permanece o único reconhecido pela FCI, mesmo se alguns países tentam, às vezes, impor suas próprias variedades. Por exemplo, variedades inglesas, americanas ou canadenses da raça Akita Inu foram propostas sem sucesso de reconhecimento pela FCI. Outras só são reconhecidas pelas instâncias genealógicas nacionais. Algumas, como os Poodles Toys e Abricot, foram finalmente reconhecidas pelos países de origem como pertencendo oficialmente à raça dos Poodles.

Padrão de beleza e morfologia esportiva

Certas raças de cães são difíceis de classificar nos grupos existentes, pois podem ser progressivamente desviadas de sua vocação primitiva. Para manter a originalidade das raças, certas associações de raças impuseram testes de aptidões naturais, provas de desempenho, como o field-trial para os cães de aponte, permitindo julgar um cão com base em suas aptidões comportamentais e não unicamente em seu aspecto externo e fenótipo.

Sobre a utilidade das alianças inter-variedades

As manifestações caninas, tais como concursos, exposições e campeonatos, permitem aos juízes e especialistas atestadores promover a reprodução dos cães julgados “melhoradores” de sua raça, pelas suas qualidades de beleza ou de desempenho. Essa prática de julgamento orienta a seleção para as metas dos clubes de raças, mas corre o risco de acabar em indivíduos muito tipificados, por vezes muito afastados do padrão de origem, e mesmo de ver surgir, progressivamente, diferentes variedades quando as qualidades de desempenho forem pouco compatíveis com os critérios de beleza. Para se evitar o afastamento dessas variedades, que ameaçam a integridade da raça e de seu padrão, convém cruzar regularmente os melhores indivíduos de cada variedade a fim de conservar, simultaneamente, as qualidades de desempenho e de beleza próprios da raça. O caso do Pastor belga, que abrange quatro variedades distintas, é bastante eloquente. Alianças entre inter-variedades como: Groenendaels e Tervuerens – são efetuadas regularmente e mantêm uma certa homogeneidade racial enquanto que cruzamentos entre Malteses e outras raças, efetuados com a finalidade de melhorar as aptidões de desempenho (mordedura, indiferença aos tiros), arriscariam ameaçar a integridade dessa variedade. Uma seleção intra-racial orientada unicamente sobre aptidões de desempenho assume o risco, então, de acabar na criação de um tipo fora do padrão (como foi o caso para o Setter inglês) ainda mais que os caráteres morfológicos se perdem muito mais rapidamente do que adquirem as qualidades de desempenho!

Origem, linhagem, família

Cada raça acha sua origem numa fonte cuja dispersão dos produtos, em várias criações selvagens, geram diferentes linhagens. Mesmo que as participações genéticas do pai e da mãe sejam idênticas nos filhotes de primeira geração, fala-se em “origem materna” e “linhagem paterna” no estudo sobre um pedigree no decorrer de várias gerações. Com efeito, os descendentes de um padrão de elite denominados de “raçadores” são sempre mais numerosos do que os de uma cadela de caça campeã, fisiologicamente limitada a duas ninhadas por ano. A confirmação e a recomendação de um macho reprodutor acarretam sempre mais
conseqüências do que as de uma fêmea!

Família e consanguinidade

O exame do pedigree de um cão permite remontar às suas origens e se fazer uma ideia sobre o grau de consanguinidade que o liga aos seus ancestrais. Ele mostra que a criação em paralelo de várias linhagens consanguíneas (ou correntes de sangue) é o método de seleção mais freqüentemente aplica-do em criação canina. Acaba, no final de várias gerações, por fixar as caraterísticas pesquisadas pelo criador, que constitui assim sua própria “família”, reconhecível por um cinófilo experiente.

Sobre a necessidade do aperfeiçoamento

O excesso de consanguinidade no seio de uma mesma família pode, todavia, conduzir a uma queda de prolificidade e da variabilidade dos caráteres, denominada “impasse genético”. O criador tem, então, recurso no “aperfeiçoamento” com uma outra corrente de sangue. É mesmo possível, agora, conservar a semente e, portanto, o patrimônio genético de certos padrões cujas qualidades possibilitariam “um retorno”.

Qual é o lugar ocupado pelo cão de raça indeterminada?

Contrariamente ao “vira-lata”, definido como o produto de uma ligação entre dois cães de raças diferentes ou provindo do cruzamento de um cão de raça e de um outro de origem indeterminada, o cão de raça indeterminada é impossível de descrever de maneira precisa, pois é fruto do acaso, resultando de um cruzamento entre dois reprodutores de raças indeterminadas. Esses cães são difíceis de recensear na França; estima-se que esses cães de raça indeterminada e os vira-latas formam cerca de 60% dos cães presentes nos canis Francêses

Sobre as qualidades de desempenho e rusticidade

Os cães de raças indeterminada, por não constituírem um padrão de beleza, apresentam qualidades de desempenho e rusticidade muito apreciadas pelos seus proprietários. Se o cão de raça indeterminada possui geralmente a cor selvagem – sua pelagem é muitas vezes dominada pelo cinzento ou ruivo – é também munido de um porte médio e, a exemplo do cão “o vagabundo” (a dama e o vagabundo) de Walt Disney, possui um instinto para sair de apuros que lhe permite exercer seus talentos de caçador, levando ainda em conta que sua cor neutra lhe assegura uma excelente camuflagem (apenas 10% dos cães de caça têm um pedigree na França). Originado de diversos cruzamentos, ele apresenta a vantagem de dispor de um patrimônio genético extremamente rico, os genes desfavoráveis (muitas vezes recessivos), tendo grandes chances de ser dominados por genes favoráveis.

As eventualidades da diversidade genética

O principal inconveniente dessa diversificação genética surge da ausência de garantia da transmissão de caráter no decorrer das gerações seguintes e é muito difícil prever as qualidades morfológicas e psicológicas dos filhotes provenientes de pais de cão de raça indeterminada, mesmo se estes apresentam qualidades inegáveis. Mesmo quando ouvimos muitas vezes dizer que os cães de raças indeterminada são vivos, inteligentes, resistentes e voluntários, é impossível estabelecer-se uma generalização, pois as eventualidades da genética, muitas vezes, só permitem aos com mais sorte ou mais dotados, encontrar um lugar na nossa sociedade e ainda pode-se constatar que formam o maior número nos refúgios e carrocinhas.

Vimos que os caráteres quantitativos, como a aptidão para o trabalho, que dependem da ação de numerosos genes, eram menos transmissíveis do que os caráteres morfológicos, como a cor ou a textura da pelagem, que dependem de um número mais restrito de genes. Os incondicionais dos cães de raças indeterminada são, com freqüentemente,os caçadores, e eles mesmos atestam ser difícil criar cães desse tipo com a esperança de fixar suas qualidades. Em compensação, seu valor de mercado sendo nulo e seus efetivos importantes, os caçadores, muitas vezes, não têm problemas para renovar seu arrendamento.

Ainda restam cães selvagens na terra?

Hoje em dia, ainda é difícil classificar certos Canídeos como o lobo da Abissínia – Canis simensis – (500 indivíduos subsistem ainda na Etiópia) entre os lobos, as raposas ou os cães selvagens! Assim sendo, se excluirmos os lobos do grupo dos cães selvagens, ainda encontramos hoje alguns tipos de cães selvagens : os cães cantantes da Nova –Guiné, os cães Pariahs da Índia e África, o Basenji do Congo (dos quais muitos são atualmente domesticados e mesmo reconhecidos pela FCI), os cães de Caroline e os Dingos da Austrália. Todos os cães selvagens apresentam  uma certa homogeneidade morfológica.

Sabendo-se que o lobo é o ancestral do cão, o cão deixado no estado selvagem pode tornar-se lobo?

Partindo-se do princípio que a evolução nunca volta para trás, pesquisadores da universidade de Roma estudaram colônias de cães selvagens vivendo nos Abruzzes, na Itália central. Constataram que os cães das florestas viviam como lobos, ou seja, em matilha com territórios bem definidos, contrariamente aos cães errantes dos vilarejos que lutam geralmente por sua própria conta.

No entanto, os cães selvagens não se parecem tanto com lobos. Eles são menores, de cor âmbar castanho, o que indica uma perda definitiva de genes alelos, sem dúvida após um episódio de domesticação ao longo de sua história.

No que diz respeito aos Dingos da Austrália, os cientistas sabem que eles chegaram ao continente australiano junto com o homem, há cerca de 15 000 a 20 000 anos enquanto a passagem pela terra firme ainda era possível, mas eles não sabem ainda se trata de um cão doméstico que voltou ao estado selvagem ou de uma espécie à parte. No primeiro caso o chamaríamos de Canis familiaris dingo e, no segundo, de Canis dingo. Enquanto a dúvida persistir, esse animal viverá sem denominação científica.

O cão do futuro

As estatísticas anuais da Sociedade Central Canina permitem conhecer as tendências raciais atuais e tentar extrapolar sobre o perfil do tipo do cão do futuro. Os nascimentos declarados, raça por raça, mostram uma tendência para o retrocesso das raças mais conhecidas em proveito da emergência de raças cada vez mais originais.

Os hipertipos

Esta pesquisa de originalidade e extremo é uma técnica de seleção desenvolvida principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ela culminou naquilo que chamamos de “hipertipos” como, por exemplo, certos Bulldogs cujo focinho ficou tão achatado que só podiam nas-cer por cesariana e respirar com a boca aberta. Do mesmo modo, os Labradores têm uma tendência nítida à obesidade, os Teckels ao alongamento, os Shar-Peï ao enrugamento da pele e os Pastores ale-mães ao rebaixamento da anca…

Os cães de raça pequena apresentam o seu tamanho em redução constante, sendo assim denominados “toy” ou “miniatura”, contrariamente aos cães de raça grande que tendem para o gigantismo e deixam para os vira-latas todas as qualificações médias. A tendência atinge uma divisão da média em favor de dois extremos!

Influência da genética para um cão sob medida

A técnica do “morphing” é uma ferramenta da informática que leva em conta, ao mesmo tempo, esta tendência e a evolução do nosso modo de vida e dos progressos da genética. A evolução do modo de vida segue o desenvolvimento da urbanização. A diminuição da população dos cães de fazenda é previsível em proveito do aumento dos cães de companhia, ligado ao desenvolvimento do trabalho no domicílio e à cibernética. No entanto, o perfil dos cães de companhia muda muito em função do fenômeno da moda.

Se as tendências atuais persistissem, poderíamos prever um aumento da diversidade racial. O cão do futuro será portanto tudo, menos um cão médio! A genética da cor e da textura da pelagem progredindo a grandes passos, ele poderá, sem dúvida, ser “geneticamente colorido”. Os mecanismos genéticos íntimos da transmissão dos caráteres serão mais precisamente conhecidos com o estabelecimento do mapa do genoma canino daqui a uns vinte anos. Será, sem dúvida, possível eliminar defeitos hereditários e também diminuir o elemento probabilístico, atendendo, assim, a uma demanda cada vez mais original.

O desenvolvimento das técnicas de inseminação com sêmen refrigerado ou congelado abolirá as distâncias, as fronteiras e as quarentenas para autorizar a reprodução de dois parceiros selecionados num “catálogo Internet” e até a utilização do sêmen de padrões que desapareceram.

Talvez haja menos abandono, mas o cão do futuro, “um cão sob medida, se distanciará cada vez mais do perfil do cão selvagem que ele certamente nem mais reconhecerá!